No Brasil, a questão do aborto legal, isto é, permitido por lei em situações específicas como risco de vida, estupro ou anencefalia do feto, ainda enfrenta grandes obstáculos de acesso. Em 2023, mais de um terço das mulheres que realizaram o procedimento tiveram que se deslocar, muitas vezes intermunicipalmente, para obter o atendimento necessário.
O deslocamento não é apenas uma questão logística; ele reflete uma disparidade significativa na disponibilidade de serviços de saúde capacitados para realizar o aborto legal. Atualmente, há somente 158 serviços habilitados para esse tipo de procedimento em menos de 2% das cidades do país, segundo a mais recente atualização do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES).

Qual é a realidade das viagens para aborto legal?
Muitas mulheres se veem obrigadas a viajar para centros urbanos em busca de um direito legalmente garantido, o que acarreta demoras e, muitas vezes, o agravamento de situações de stress e trauma, principalmente em casos de violência sexual. Esta realidade é mais crítica para meninas com menos de 14 anos, que representam um grupo extremamente vulnerável.
Impacto da legislação atual sobre o aborto legal
A discussão sobre os direitos ao aborto legal ganhou novo fôlego após a Câmara dos Deputados decidir acelerar a análise de um projeto que compararia o aborto realizado após 22 semanas a um crime de homicídio simples. Esse contexto legislativo alimenta o estigma e as barreiras já existentes, levando a um atendimento tardio e menos seguro.
Barreiras para a realização do aborto legal
Segundo Rebeca Mendes, advogada e diretora do Projeto Vivas, a escassez de locais apropriados e equipes preparadas são as principais dificuldades enfrentadas pelas mulheres. O protocolo demorado para a aprovação do procedimento legalmente permitido acaba sendo um obstáculo adicional, contribuindo para que muitos atendimentos ocorram além do prazo considerado seguro.
O problema é ainda agravado pela violência sexual, uma causa comum de solicitação de aborto legal. Com quase 75 mil casos de estupro registrados em 2022, sendo 76% deles envolvendo menores de 14 anos, a necessidade de serviços acessíveis e responsivos é urgente.
Diante desse quadro, torna-se fundamental repensar as políticas e infraestruturas de saúde para garantir o efetivo acesso ao aborto legal no Brasil. Melhorar a cobertura de serviços habilitados, desburocratizar processos e combater o estigma associado ao aborto são passos essenciais para garantir o direito à saúde e à justiça para todas as mulheres e meninas no país.